domingo, 24 de maio de 2009

HOMENAGEM


V CONVÍVIO DA TERTÚLIA POLICIÁRIA DA LIBERDADE


Cabanas de Viriato, 17 de Maio


HOMENAGEM da TPL a ARISTIDES DE SOUSA MENDES (Texto lido por Rui Mendes, um dos Búfalos Associados)


Desde pequeninos que todos à nossa volta nos dizem que devemos obedecer. Dizem-nos que devemos obedecer, a Mãe, o Pai, os Avós, o Professor, o patrão, a polícia, as religiões, os governos. É conhecida a lei do Regulamento de Disciplina Militar que nos diz que devemos obedecer primeiro, e só depois, eventualmente, discutir a justeza da ordem. À medida que vamos avançando na vida, vamos percebendo que o segredo do poder está na capacidade de se fazer obedecer. Os poderosos sabem-no bem, os ditadores não vivem sem o pôr em prática.

No século XVI um célebre pensador francês de nome Étienne de La Boétie, encontrou naquilo que chamou de “Mistério da Obediência” o segredo do poder político. Concluiu ele que a escolha a fazer pelos humanos se limitaria a “obedecer ou morrer”. Para exercer o poder tratava-se de obrigar a obedecer, até que aquele que obedece se consiga esquecer de que o faz. Consiga mesmo chegar a atingir a alegria da submissão, como bem supremo de uma vida feliz. La Boétie inspirou não poucas revoltas e não poucas insubmissões. Felizmente!

A tal ponto que hoje podemos ter a consciência de que não foi a obediência que fez a humanidade avançar. Bem pelo contrário. Não foi pela obediência que se fizeram as revoluções que, a pouco e pouco, e só elas, têm vindo a imprimir um pouco mais de justiça nas relações entre os humanos.

Aristides de Sousa Mendes foi um desobediente. Consciente e lúcido. Por singular coincidência faz hoje exactamente 69 anos que Aristides passou os primeiros vistos desobedientes. Em 24 de Junho de 1940, quando o exército nazi avançava pela França dentro, espalhando o terror e a iniquidade, o Dr. Salazar telegrafava ao Cônsul português em Bordéus, proibindo-o de continuar a conceder vistos aos refugiados que procuravam escapar aos horrores do extermínio nazi. A 4 de Julho (dez dias depois) o mesmo Dr. Salazar ordenava um processo disciplinar contra o desobediente pela “concessão abusiva de vistos em passaportes de estrangeiros”. De uma penada chegava ao fim a carreira diplomática de 30 anos de Aristides de Sousa Mendes.

Cito palavras de Sousa Mendes: “Todos eles são seres humanos e o seu estatuto na vida, religião ou cor, são totalmente irrelevantes para mim. Sou cristão e como tal acredito que não devo deixar estes refugiados sucumbir. E assim declaro que darei, sem encargos, um visto a quem quer que o peça”. Com estas palavras argumentou Sousa Mendes na sua defesa perante as acusações que o Estado Novo do Dr. Salazar lhe dirigiu na sequência do seu acto heróico. O Cônsul pagou cara a sua desobediência. Condenado à inactividade num processo disciplinar manipulado, arruinado financeiramente e impedido de exercer advocacia, teve de recorrer à caridade alheia para se sustentar e à sua numerosa família. A Pátria pagou-lhe com a desonra a sua coragem e a sua abnegação.

Anos mais tarde, quando os criminosos nazis se defendiam alegando que obedeciam a ordens, o Tribunal de Nuremberga estabelecia que ninguém poderá atentar contra os valores humanos sob pretexto da obrigação de obedecer a ordens injustas. Foi essa a grande importância de Sousa Mendes: obedecer aos valores da humanidade e não à iniquidade de ordens criminosas. A desobediência do Cônsul de Bordéus terá salvo da morte perto de 30.000 inocentes, mas condenou à humilhação e à agonia um homem honrado e a sua família. Um português bom e justo para quem a obediência cega e passiva se tinham tornado um impossível moral. Aristides de Sousa Mendes é hoje um herói reconhecido por todo o mundo civilizado.

A Tertúlia Policiária da Liberdade, um grupo de amigos que, entre outras coisas, cultiva a procura da verdade e da justiça, veio a Cabanas de Viriato, onde nasceu este notável português do século XX, prestar esta modesta homenagem, tão simples quanto sincera, na certeza de que é na memória dos homens que mereceram a nossa admiração, que poderemos encontrar os caminhos para um futuro melhor para os que vierem depois de nós.

1 comentário:

Anónimo disse...

A TPL levou a efeito, no decorrer do seu convívio anual realizado recentemente, uma homenagem a Aristides de Sousa Mendes.
Sobre essa homenagem e sobretudo sobre a personalidade homenageada não vi um só comentário.
No entanto Sousa Mendes merecia pelo menos uma palavra de louvor pelo seu acto heroico. Mas não admira, mesmo aqueles que foram directamente beneficiados pelo seu sacrifício só tardiamente se lembraram dele.
Além desta homenagem, a TPL, levou a efeito também um acto de homenagem à Tertúlia Policiária do Norte mas ninguém aqui veio acrescentar uma palavra de agradecimento pelo trabalho realizado pelos confrades dessa Tertúlia. No entanto eles são merecedores da todo o nosso apreço por tudo aquilo que têm feito em pról do Policiário e de tudo aquilo que teria sido feito se o seu esforço não tivesse sido sabotado por quem deveria dar apoio à cultura.
Por fim quero ainda referir que, no mesmo convívio que estou mencionando, foi igualmente feita uma homenagem ao Dr Gustavo Barosa, o Zé-Viseu como é conhecido no meio Policiário ou simplesmente o Zé, como todos aqueles que já cá andam nestas lides há muito tempo, sempre o conheceram.
Também sobre esta homenagem ninguém encontrou uma palavra de louvor, para colocar neste espaço, a esta figura ímpar de homem, profesor, estudioso e sobretudo de amigo do seu amigo.
A vós, confrades da TPN, a si confrade Zé, o meu abraço e o meu agradecimento por tudo o que têm feito pelo policiário e acima de tudo pela vossa amizade.
Aos confrades da TPL de que, apesar da distância, eu também faço parte, o meu abraço e o meu agradecimento pela lembrança destas homenagens

Rip Kirby