domingo, 31 de maio de 2009

PAULAMARQUES




Nota biográfica de Paula Marques (1.º Prémio)

Paula Marques é filha de África e foi abençoada por N. Sra. Candelária. É formada em línguas e literaturas modernas, vive em Lisboa e trabalha na área de difusão de um organismo público. Literatura, música, teatro e cinema encantam-na, mas é a plasticidade da língua portuguesa que a emociona. Concorda com a Clarisse Lispector “que ninguém se engane, só se consegue simplicidade através de muito trabalho”. Gostava de aprender ainda muitas coisas, mas já percebeu que uma vida não chega para tudo.
Trabalhos publicados: “Arrumações”, conto premiado e publicado na revista OS MEUS LIVROS em 2003; “O Meu Casaco Novo”, conto premiado e publicado no jornal PÚBLICO em 2005; “Poemas do Sentir”, livro de poesia publicado em 2008; “O Senhor das Palavras”, livro infanto-juvenil publicado em 2009.
Tem vários contos e um romance que espera publicar. Já agora, há por aí algum editor interessado? A sua citação preferida é do escritor L. Scutenaire: “Escrevo para libertar o meu cérebro, não para atravancar o dos outros”.


EIS O CONTO PREMIADO COM O PRIMEIRO LUGAR NO CONCURSO DE CONTOS SOBRE ARISTIDES DE SOUSA MENDES, NUMA ORGANIZAÇÃO DA TERTÚLIA POLICIÁRIA DA LIBERDADE:

« Schlaf, schlaf befreites Herz(1) »

As minhas pernas tremem de fadiga. Há dois dias e duas noites que estou aqui à espera neste imenso
serpenteado humano que se estende pelas ruas perto do Consulado. Ninguém ousa abandonar o lugar. Ninguém. É
madrugada mas não sentimos frio. Que seria de nós se fosse Inverno... Há umas horas chamaram o meu nome e senti
que havia uma réstia de esperança: conseguir o visto que nos pode salvar, por agora.
Aqui estou eu, de pé, com o tremor dentro de mim, segurando o chapéu e o casaco numa mão, os documentos
na outra, a tentar disfarçar a fome e o medo que se entranharam desde que Helga… Berlim já não é a minha cidade.
Para a Alemanha já não conto, sou estrangeiro, sou de uma raça indesejada. Pior, sou de uma raça que teme pela vida.
Fugi, tive de fugir. Muitos outros judeus alemães não tiveram tanta sorte... Voltei as costas à minha vida por Mathilda,
que seria dela, sem mãe, sem pai…
Sinto-me esgotado mas a mente está mais lúcida do que nunca. Vivi mais nas últimas semanas do que em
todas as semanas juntas da minha vida. Estou a cinco metros de conseguir o que mais anseio e sinto-me um ancião,
não o Samuel Hurwitz que fez há meses trinta e sete anos e dançou com Helga e Mathilda ao colo de ambos. A que
distância estou desse dia e dessa vida! Quilómetros e quilómetros na companhia dos Mütz, fugindo assustados, assim
como milhares de compatriotas. Ainda sinto no nariz o cheiro do fogo, da cinza e do sangue, ainda ouço os gritos, os
lamentos e o silêncio do medo. Ainda temo…
Pobre Mathilda, tapferes Mädchen(2), não sai de junto de mim. Apoia-se na minha perna e parece de chumbo,
embora o seu corpinho de dez anos esteja cada vez mais franzino. Não chora nem se queixa. A última vez que a vi
chorar foi quando lhe disse que Helga não voltaria para as nossas vidas, nunca mais. Como é que um ser tão frágil
consegue ter tanta vontade de viver? Ajudou-me a fazer as malas com o resto das nossas vidas e à porta de casa deume
a mão. Não olhou uma única vez para trás, enquanto eu chorava como uma criança perdida. O Gott, geben mir
Mut(3)!
Viemos com os Mütz de carro und die Mädchen passaram a viagem a cantarolar como se estivessem num
passeio. Mas elas sabem, observam tudo o que se passa à nossa volta. Há milhares de pessoas atemorizadas, receando
pela vida, fugindo sem olhar para trás. Levam apenas o que os braços podem carregar. Nas estradas vemos carros,
camiões, bicicletas, charruas, charretes. Tudo serve para fugir à guerra. E há muita gente a pé, calcorreando
quilómetros sem fim, em busca da salvação… Durante a viagem, Mathilda olhava-me com olhos serenos. Mein
kleiner Engel(4), minha pequena guardiã, tão acarinhada pela mãe e agora sem conforto nem futuro. Nunca senti tanto
amor por ela como agora que procuro salvar-nos.
O cansaço provoca-me uma névoa no pensamento e só a ansiedade e o medo cravados em mim me impedem
de desabar. À nossa volta o ambiente é de tensão. Todos os rostos se parecem e neles leio a mesma fadiga, o mesmo
medo que eu sinto. As ruas desta cidade estão inundadas de gente fugida da Holanda, Bélgica, Luxemburgo e de
muitas cidades francesas. Estamos numa babilónia de desespero. Às vezes desce um silêncio nervoso como quando
alguém traz a notícia da aproximação das tropas alemãs. E nós aqui à espera que nos salvem. Sinto um cansaço que
me confunde, e se desistisse já? E se me deixasse ficar aqui à espera?
Mathilda pisou o pé do pai sem querer e Samuel Hurwitz arregalou os olhos e deu dois passos em frente. A
fila era densa mas ordenada. Estava quase a chegar a sua vez. Procurou algo em que concentrar-se e fixou os olhos na
secretária à sua frente. Um homem afadigava-se a preencher à mão folhas timbradas. De vez em quando um homem
corpulento, de meia-idade, trazia e levava maços de folhas e trocava algumas palavras com os funcionários. As folhas
recebidas eram carimbadas e recebiam o selo branco do consulado. O rabi ajudava, chamando os chefes de família e
entregando-lhes os passaportes e os vistos dos seus entes. Os funcionários afadigavam-se de novo sem parar, também
eles pareciam fatigados e nervosos, mas o homem grisalho denunciava um cansaço de quem não ia à cama há várias
noites.
Hurwitz deu mais um passo em frente e momentaneamente envergonhou-se do seu aspecto. Ele que sempre se
preocupara com a sua higiene e indumentária, cheirava a falta de banho, tinha a roupa engelhada e a barba feita sem
espelho. Só o cabelo parecia alinhado porque Mathilda se entretinha a sulcar-lhe as ondas do cabelo como se os seus
pequenos dedos fossem uma charrua a revolver a terra. E a fome a gritar dentro dele. Desde que o êxodo começara,
apenas comia pão, leite, algum queijo seco e fruta, tudo comprado nas estradas a gente que se abeirava do caminho, a
vender o que tinha e pensando estar a salvo da desgraça que perseguia o enxame de viajantes.
Hurwitz não entendeu o que tinham escrito na sua folha da vida. Teria de pedir que traduzissem o que dizia o
documento. No seu passaporte tinham aposto mais dois nomes, o de Vinzenz e o de Anneliese. O que a guerra fazia...
Desfazia famílias e inventava novas famílias fundadas no imenso desejo de conservar a vida. No caminho para
Bordéus tinham-lhe pedido que tomasse Vizenz como seu. Era um rapazinho de sete anos resgatado pelos vizinhos. A
mulher que cuidava dele morrera metralhada pelo voo raso dos caças alemães. Já em Bordéus, o rabi viera pedir a sua
protecção para Anneliese, uma jovem de Hamburgo que dizia ter-se perdido da família, mas o rabi acreditava que
tinham sido levados nos tais comboios que todos temiam.
Há livros de registo em cima das mesas dos funcionários, mas reparo que não cumprem as formalidades, não
há tempo, a Wehrmacht dirige-se para sul. Até o governo se refugiou nesta cidade. Temos de nos despachar… Quem
será o homem grisalho que parece levar o mundo às costas? E os funcionários, tão jovens…
Viajamos em marcha lenta. Há uma imensa coluna humana, as pessoas transportam cada vez menos coisas.
Afinal é a vida que todos queremos levar a bom destino. Temos sorte por estar no carro dos Mütz. Anneliese e Vizenz
juntaram-se a nós. Estamos mais apertados e mais silenciosos como se não houvesse espaço para as palavras. Pedi ao
rabi que me explicasse o que está escrito na folha: ”…que autorize o portador do visto e a sua família a atravessar
livremente o território espanhol… são refugiados do teatro de guerra”, disse-me ele. Guerra! Rezo em silêncio
enquanto aperto a mão de Mathilda com força. Gott, verlassen uns nicht(5), só queremos viver!
Dizem que o Cônsul que nos passou os vistos vai à frente desta caravana de refugiados. A nós juntaram-se os
desesperados que estavam em Toulouse e Baiona. Foi o homem que lhes deu os vistos para atravessarem a fronteira.
Bordéus foi tomada enquanto fazíamos o caminho, der Pfad von der Hoffnung(6), como dizemos.
À primeira, Espanha não nos deixou entrar. A fronteira estava fechada aos refugiados, ordens de Madrid, mas
der Mann(7) levou-nos para um posto fronteiriço a uns quilómetros. Aí as ordens do governo ainda não tinham chegado.
Nem sei onde vamos buscar forças para continuar. Há velhos, crianças, grávidas. Pelo caminho vão ficando os
pertences. A carga a que nos apegamos já não tem valor quando é a vida o único bem que queremos conservar.
Soube que os homens jovens que estavam no Consulado não eram funcionários mas sim um filho e um
sobrinho do homem. Hoje vi-o ao longe. Não parece tão abatido como quando o vi no Consulado pela primeira vez,
mas deve estar tão fatigado como nós… é a força que vem da coragem em ajudar-nos. Muito tem feito por todos nós,
ein grösser Mann(8)! O rabi é amigo do homem e vejo-os a conversarem. Foi ele que nos contou que der Mann estava
proibido pelo seu governo de nos passar os vistos e mesmo assim fê-lo. Somos indesejados no seu país, receiam que
os nazis retaliem por nos acolherem. Há refugiados desesperados porque consta que é difícil entrar na América. Há
navios que voltam para trás, que grande desgraça! Para onde havemos de ir? Ouço-os, ouço-os e fico sem forças. A
energia que resta é sugada pelo cansaço e pela angústia. Quero ter esperança, Ich muss Vertrauen haben(9), preciso de
ter esperança.
Espanha é inóspita. Estava muito calor quando a atravessámos, mas agora estamos mais perto do futuro. Será
que estamos mesmo a salvo? O rabi disse-nos que o homem recebeu ordens para se apresentar no ministério com
urgência, que receia ser punido mas que foi um dever de consciência tirar-nos do caminho dos nazis. Ele sabe do que é
capaz a máquina do tirano. Estará também ele a salvo?
Entrámos em Portugal ao anoitecer, mas todos trazíamos a alma anoitecida. Poucos se regozijaram devido ao
cansaço. Dias de luz hão-de vir. Dormimos nas imediações da vila. É tranquila. Aqui o medo ainda não chegou. As
pessoas caminham tranquilamente, vêem-se luzes acesas dentro das casas e ninguém parece temer os voos da
Luftwaffe. Frau Mütz e Anneliese juntaram-se às mulheres e foram às quintas comprar comida para sossegar os
estômagos. As crianças não resistiram ao cansaço e entregaram-se ao sono, será que sonham com comida? Ilse
preocupa-nos, tem estado febril... Mathilda e Vizenz estão sossegados devido à fraqueza. Adoecer agora seria terrível.
Matamos a fome com pão rijo, fruta e leite.
Anneliese fala pouco e eu não faço perguntas. Afinal, quem quer lembrar o que perdeu? Os pequenos estão
mais animados e já brincam uns com os outros. Recuperamos as forças antes de prosseguir caminho. Ouço línguas que
não entendo mas todos tentamos compreender-nos. Anneliese canta para as crianças e até as que não sabem alemão,
como Vizenz, tentam acompanhá-la: Heutiger Tag regnet / Morgen die Sonne scheint / Kinder lachen / und wir alle
glücklich sind wieder(10). As crianças aprendem depressa, são elas que nos guiam para o futuro. E eu? Que farei com O
meu futuro? Os pequenitos perguntam-me como se diz isto e aquilo na língua deste país mas eu não sei. Sei tão pouco
de tudo…
Tenho pensado muito em Margarite, die portuguiesiche Fräulein(11) a quem comprei a última jóia para Helga.
Não houve tempo para lha oferecer, meine liebe Helga(12). Que saudades do seu abraço! Fräulein falava-me da sua terra,
Cabanas de Viriato, que coincidência! O rabi disse-nos que der Mann tem um palacete nessa mesma terra. Ainda me
lembro do que Fräulein me descreveu: um casarão enorme, amarelo claro, três pisos, águas furtadas com escamas de
ardósia, telhado vermelho e uma enorme chaminé com um galo cata-vento que apontava os contornos da serra. Um dia
gostava de lá ir, ver a casa, agradecer ao homem.
A capital não é como eu a imaginava. Cheira a peixe podre e há muita gente nas ruas, nos cafés, nas
esplanadas, parecem lagartixas na modorra do sol. As mulheres do povo andam descalças, as crianças vestidas com
farrapos e a miudagem anda nua da cintura para baixo. Desafortunados da vida como nós. E todo o mundo cospe no
chão, até os senhores bem parecidos! Mas não é o mesmo cuspir que eu e os meus recebíamos com insultos de
jüdische Schwein(13)… Em cada canto encontro refugiados vindos de toda a Europa. Histórias terríveis as suas…
Ficámos num quarto alugado, não consegui ficar com os Mütz. Mathilda e Vizenz sentem falta de Anneliese
que foi ajudar a cuidar de Ilse que não está melhor.
O que mais temíamos, confirmou-se. A polícia de estrangeiros diz que os nossos vistos são ilegais. Pedimos
autorização de entrada nos Estados Unidos mas é difícil. Para tudo temos de pagar, mas temos pouco dinheiro e não
estamos autorizados a trabalhar. Não querem que nos enraizemos aqui, mas também não quero ficar cá. Tenho de
aguardar, juntar dinheiro para a passagem e viver da ajuda da comunidade israelita no estrangeiro. Ouvi dizer que der
Mann está em apuros, instauraram-lhe um processo disciplinar e condenaram-no à inércia como a nós. Até hoje, foi o
único que não ficou indiferente à nossa tragédia, que olhou para nós e viu almas…
Tem estado muito calor. Durmo mal e tenho sonhos que não entendo. Helga acenava-me da porta de um
casarão. Estava debaixo de um alpendre com várias colunas… Lá dentro havia um brasão pintado no tecto da entrada.
Segui-a por uma escadaria imponente, não havia ninguém. Entrámos numa sala de jantar, enorme, com cadeiras de
braços forradas a coiro e um brasão gravado. A mesa estava posta com loiças de porcelana fina, preparada para um
banquete. Ao longe ouviam-se vozes, risos e notas musicais, mas não se via vivalma. Acordei perturbado. Numa outra
noite sonhei com o mesmo casarão. Chegava-me a uma janela e via der Mann no largo chamando em voz alegre
“embora minha gente, embora”. De repente, saiu de casa um grupo de jovens, falavam e riam alto. Meteram-se todos
numa camioneta e partiram alegres. Fiquei sozinho e acordei com a angústia a oprimir-me o peito…
Tivemos um dia diferente. Demo-nos ao luxo de andar de comboio e fomos com os Mütz e as crianças ver o
rio e o mar. Passámos junto da exposição do Mundo português e ao longe vimos um galeão das Índias, uma réplica do
século dezassete. Por ironia do destino, tempos depois o galeão virou-se e quase naufragou. É como eu me sinto, a
naufragar. Vão mandar-nos para fora da capital, para uma zona de residência fixa. Não podemos sair de lá sem
autorização, temos de permanecer lá até sair do país. Sinto-me sequestrado nesta espécie de liberdade.
Os Mütz desabafam. Partilhamos aflições e incertezas, a espera é demorada. A América também não nos quer,
há restrições de entrada. Há famílias que estão à espera de autorização de embarque há mais de um ano. Com o
dinheiro que recebo da assistência aos refugiados pago o aluguer do quarto, a alimentação e poupo o que consigo para
as passagens.
As filas nesta cidade são intermináveis: na companhia de navegação, nos correios e até para o mercado negro.
O desespero é grande para ricos e pobres, mas os que têm dinheiro embarcam mais depressa. Há desesperados que
partem em barcos velhos, com vistos falsos e o coração apertado, sem saber se chegam ao destino. Levam quinze dias
a chegar à América e de lá podem ser obrigados a partir de novo para algures. Consolo-me repetindo: auf den Erde,
alles geht vorbei(14).
A família de Helga espera-me do outro lado do Atlântico e eu aqui preso, à espera. É como se o mundo não
nos quisesse. Agora vivemos a cinquenta quilómetros da capital mas a nossa liberdade está restringida. Não podemos
sair fora de um raio de seis quilómetros. Se precisamos de ir à capital, temos de ter uma autorização especial da
polícia. Todas as semanas os chefes de família têm de se apresentar no posto dos correios, onde a polícia de emigração
nos renova o visto de permanência por mais trinta dias. E assim vão adiando as nossas vidas. Mas podia ser pior, é o
que todos dizemos para nos consolarmos.
Faz muito frio. Nunca pensei que o Inverno aqui fosse tão gelado. É um frio húmido porque estamos junto ao
mar. Ninguém tem roupas quentes, ninguém pensava ficar cá tanto tempo. Ouvi dizer que já entraram milhares de
refugiados. Os que não partem logo são enviados para zonas de residência fixa, como nós. Vivemos da bondade
alheia, felizmente há gente boa nesta terra. Recebemos agasalhos, usados, é certo, mas aquecem-nos. Também eles
estão a passar dificuldades com esta guerra. Têm senhas de racionamento e vivem tão temerosos quanto nós que os
nazis cheguem cá. Estamos todos num exílio de liberdade.
Anneliese partiu para os Estados Unidos. A família conseguiu-lhe uma autorização de entrada. Chorou quando
se despediu de nós, chorámos todos. Afinal, passámos muito, juntos. O navio que a levou chamava-se “Neue
Hoffnung”(15), bom sinal. Sentimos muito a sua falta, sobretudo agora que Ilse piorou. O médico português vem vê-la
sem cobrar nada e todos esperamos que o Inverno passe depressa.
Voltei a sonhar com o tal casarão mas já não era o palacete dos outros sonhos, estava em ruínas, decrépito e
abandonado. Eu andava sozinho pelos corredores de soalho carunchoso. Tudo estava imundo. Havia galinhas a
esgravatar o lixo, coelhos a escaparem-se para os recantos sombrios e até cabras havia passeando-se pelas escadarias
cobertas de pó e teias de aranha. Senti o meu coração carcomido como as madeiras. Através de um vidro partido, via a
estátua de um Cristo de braços abertos. Sentado aos seus pés estava der Mann fumando, viu-me e acenou-me. Quis ir
ao seu encontro, mas quando lá cheguei ele já não estava lá e o tal Cristo escondia o rosto com as mãos. Sentei-me,
aspirei o aroma do tabaco que havia no ar e os meus olhos prenderam-se nos contornos imutáveis da serra, ao longe…
Anneliese escreveu-nos. A viagem foi difícil, o mar estava agitado. Diz que a América não consegue receber
todos os refugiados e que devíamos pensar noutros destinos, África, América Latina, talvez… A boa notícia é que ela
agora trabalha na organização israelita de acolhimento aos refugiados e fala de coisas que nunca falou. A distância
ajuda a desnudar a alma, é certo.
Mathilda fez onze anos. Está alta mas magrinha. As suas pernitas parecem as do Bambi. Acho que não vai ser
tão bela como Helga mas sabe ser delicada e resistente como a mãe. Enche as nossas vidas de luz e esperança,
sobretudo agora que estamos tão tristes com a perda de Ilse. Os Mütz estão sem ânimo. Perderam a filha e a vontade
de viver, deixaram de sonhar com o futuro. Acho que os compreendo, também eu ficaria perdido sem Mathida, mein
Tochter, mein Anker, mein Leucht-turm(16). Ilse não resistiu ao Inverno e partiu como uma nuvem silenciosa, deixandonos
a alma ainda mais enregelada. Frau Mütz deu a Mathilda as roupas quentes de Ilse. Custa-me ver Mathilda vestida
com o casaco e as botas de Ilse, mas sei que ela fica mais aconchegada. O frio nunca mais passa…
Só me apetece chorar com o destino que nos coube e sinto culpa porque há quem tenha tido menos sorte. Para
espantar a dor, Frau Mütz costura bonecas de pano com caracóis negros como os de Ilse. Tentamos vendê-las sem a
polícia dar conta. Estão sempre de olho em nós. Não podemos trabalhar nem recorrer aos nossos ofícios. Tenho
saudades de trabalhar…
Vizenz está quase com nove anos e passa a maior parte do tempo com a família do doutor Pereira, o médico
que ajudou Ilse. Gute Leute(17), ajudam-nos e respeitam-nos. Há dias o doutor perguntou-nos o que achávamos se ele e
a mulher adoptassem o menino. O rabi acha que eles lhe podem dar um bom futuro, uma boa educação e que gostam
dele. Já na América, não sabemos qual vai ser o seu destino…
Morremos aos poucos, de inércia. As autoridades querem-nos aqui encerrados neste redil. Temem a nossa
influência. Dizem que temos hábitos desabridos, que somos uma ameaça aos seus bons costumes, que vamos à praia e
usamos fato de banho, que as nossas mulheres andam de pernas nuas e fumam nos cafés. Espero e desespero. Para
matar o tempo vou aprendendo a falar a língua daqui e também a língua da América. São tão diferentes da minha...
Mathilda aprendeu mais depressa do que eu e corrige-me com autoridade. Rimo-nos porque parece que não sou bom
aluno…
Ainda não morreu em mim a esperança de conseguir o visto de entrada nos Estados Unidos. A família de
Helga espera por nós, têm um quarto apalavrado para eu viver perto deles, que poderei trabalhar numa Drogerie a
poucos quarteirões, que Mathilda terá escola perto de casa, mas temem que eu perca estas oportunidades se o
embarque tardar. Dizem que estão mais descansados por saberem que estamos a salvo nesta terra. Não estou tão
seguro disso, os nazis tomaram quase toda a Europa e este é um pequeno país. O Gott, wenn ich Ihnen vergesse,
vergessen Sie mir nicht(18)!
O doutor Pereira sabe que fui farmacêutico e pediu-me para o ajudar a preparar os receituários para os doentes
dele. É um risco para ele e para mim, mas ajudo-o. Admiro a sua coragem. O medo não o paralisa. Não me pode pagar
em dinheiro, mas dá-me alimentos que chegam para mim e para os meus, pois as nossas refeições são frugais.
Aprendemos a ser comedidos em tudo. Trabalho discretamente para que a polícia não desconfie, mas sabem tudo! Se
sabem de mim, fingem não entender, talvez porque o doutor é um homem importante.
Der Mann! Que será feito dele? Os vistos que nos concedeu, salvaram-nos, é certo, mas este país considerouos
ilegais. Ouvi dizer que o homem foi suspenso de funções, punido por desobediência às ordens do governo e está
impedido de trabalhar, tal como nós. Se não fosse ele todos teríamos partido nos comboios do medo. Todos.
Hoje, finalmente, recebemos a autorização de embarque. Dois anos à espera! Os Mütz partiram há alguns
meses e eu fiquei ainda mais só, apenas com Mathilda. Está uma mulherzinha. Aliás, já é uma mulherzinha. Senti
tanto a falta de Helga para me ajudar nesta fase. Felizmente que a mulher do doutor Pereira veio em meu auxílio,
explicando a Mathilda o que é ser mulherzinha.
Vizenz ficará, assim o deseja. É o novo filho do casal Pereira e vai ser baptizado segundo os preceitos deles.
Sei que fica bem, irei com o meu espírito em paz. Sentiremos a sua falta, vivemos tanto juntos. Prometemos uns aos
outros que um dia havemos de nos encontrar para festejar a vida e o futuro que esperou por nós. Telegrafei a
Anneliese a dar-lhe a boa nova e também à família de Helga. Estamos a caminho. Daqui a duas semanas terei uma
nova vida.
A Baixa continua tão ruidosa como a conheci quando cá cheguei. Ainda se vêem refugiados, mas muito menos
do que antes, pois milhares foram deslocados para as zonas de residência fixa. Vejo alguns nos correios, nas
companhias de navegação, procuro quem fale alemão para saber notícias do mundo. Contam-me coisas horríveis.
Tenho comigo as passagens e os vistos e para celebrar este momento tão esperado, fiz uma pequena
excentricidade. Fui à loja de Delikatessen(19) e comprei castanhas glacês, a guloseima favorita de Helga. Hoje
merecemos. Sinto-me leve por dentro, grato por estar vivo, por ter sido poupado ao martírio do meu povo, graças ao
homem. Mas houve uma notícia que ensombrou a minha alegria… Contaram-me que der Mann e a sua família, que é
tão grande, estão a passar necessidades. Viram-nos na cantina judaica a almoçar junto dos refugiados.
Não o deixam trabalhar, os amigos abandonaram-no e está mais só do que nunca. Um homem que ajudou
tanta gente, o único que viu em nós mais do que nacionalidade, raça ou religião, ein grösser Mann! A comunidade
israelita está a tentar ajudar os seus filhos a saírem do país. Também eles estão a ser castigados. Talvez por isso dormi
muito mal e a noite foi povoada de sonhos estranhos. Sinto-me fatigado e só a perspectiva de estar de partida me
anima.
Helga apareceu de novo no meu sonho. Estava elegante, so schön, meine geliebte Frau(20), vestia o casaco rosa
e tinha na lapela a jóia que não cheguei a oferecer-lhe. Deu-me o braço e levou-me a passear por um jardim bem
cuidado. Depois, subimos uma enorme escadaria encimada por uma galeria de vitrais coloridos, era o tal casarão, de
novo. Estava silencioso e, de repente, apareceu no cimo das escadas um velho judeu com o seu quipá(21) e os peiots(22)
grisalhos. Gritava Schlaf, schlaf befreites Herz e atirava pétalas brancas que esvoaçavam no ar. Acordei e já não
consegui voltar a adormecer. Porque será que estou sempre a sonhar com aquela casa?
O mundo está em choque e eu sinto revolta. Aqui, na América, os jornais falam do que a Europa e os aliados
descobriram depois da guerra. Dizem que a máquina de extermínio nazi matou milhões de judeus, que a Shoá(23)
separou famílias, apagou memórias, destruiu futuros pelo sacrifício do fogo e mostram imagens horríveis da
ignomínia. Agora o mundo está chocado, mas quando fugíamos à frente da morte o mundo estava indiferente, a olhar
para o lado.
Já sou cidadão americano mas os meus sonhos continuam a ser em alemão e neles sonho com Berlim, a cidade
da minha juventude, não a cidade de onde fugi, nem a cidade que me gritava nicht für Juden(24) e onde martirizaram
Helga e marcaram o seu corpo com unreine Jude(25).
Somos todos Gottes Lamm(26), como aprendeu Vizenz na sua nova religião. Agora chama-se Vicente e veio
visitar-nos o ano passado. Ficámos tão contentes por vê-lo. Um homem feito. Contou-nos coisas tristes. Der Mann
morreu, amargurado, pobre, endividado, com os filhos espalhados pelo mundo e sem o perdão do seu país, o país que
recebeu elogios internacionais por receber os refugiados durante a guerra. É a ironia da vida… Morreu num hospital,
sozinho e foi amortalhado nas vestes de franciscano, religiosos que fazem voto de pobreza, como nos explicou
Vicente. E ensinou-nos uma oração da religião de der Mann. Rezámo-la por ele porque todas as orações que vêm do
coração são válidas para Deus: Vater unser im Himmel, Geheiligt werde dein Name… Dein Wille geschehe,
wie im Himmel so auf Erden… vergib uns unsere Schuld… auch wie vergeben unsern Schuldigern…und
erlöse uns von dem Bösen(27).
O meu nome é Anneliese e hoje estou de luto. O meu pai, Samuel Hurwitz, morreu e eu sonhei com ele toda a
noite. Era um Samuel jovem e alegre. Imagino que seria assim quando era rapaz. Vi-o num bosque de avelaneiras e
estava com pessoas que nunca vi. Caminhavam por entre as árvores que simbolizam o renascimento e com os dedos
desenhavam frases nos troncos. Como por magia, as palavras ficavam gravadas na casca das árvores. Ao longe, estava
um homem que os observava... Usava uma espécie de gabardina clara, tinha o cabelo grisalho, olhos tristes. Passeava
por entre as árvores, lendo o que nelas estava escrito. E eu, sem saber como, conseguia ver o que os seus olhos liam:
Na mão de Deus, na sua mão direita, descansa por fim o meu coração. A passo e passo desci a escada estreita do Ideal
e da Paixão, atravessei selvas, mares e areias do deserto... Mas agora o meu coração liberto dorme, dorme na mão de
Deus, eternamente(28). Schlaf, schlaf befreites Herz, schlaf in der Gottes Hand für immer(29).
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * *
PSEUDÓNIMO: Yasmine Lloret
1 “Dorme, dorme coração liberto”
2 “valente menina”
3 “Deus, dá-me coragem”
4 “o meu pequeno anjo”
5 “Deus, não nos abandones”
6 “o caminho da esperança”
7 “o homem” (o Cônsul)
8 “um grande homem”
9 “preciso de ter fé”
10 “Hoje faz chuva / Amanhã o sol brilhará / As crianças irão rir / E todos seremos felizes de novo”
11 “a jovem portuguesa”
12 “a minha querida Helga”
13 “porco judeu”
14 “no mundo, todas as coisas passam”
15 “Nova Esperança”
16 “minha filha, minha âncora, meu farol”
17 “boa gente”
18 “Senhor, se eu me esquecer de Ti, não Te esqueças de mim”
19 Loja de guloseimas
20 “tão bela, a minha querida mulher”
21 Pequeno chapéu em forma de circunferência usado pelos judeus.
22 Cachos de cabelos laterais característicos dos judeus ortodoxos.
23 Significa calamidade em língua iídiche e originou o termo “holocausto”.
24 “interdito a Judeus”
25 “judeu impuro”
26 “Cordeiro de Deus”
27 “Pai Nosso que estais no Céu, santificado seja o Teu nome… seja feita a Tua vontade… assim na Terra como no Céu… perdoa
as nossas ofensas… como perdoamos a quem nos ofendeu… e livra-nos de todo o mal”
28 Versos baseados no soneto “Na mão de Deus”, de Antero de Quental.
29 “dorme, dorme, coração liberto, dorme na mão de Deus para sempre”

23 comentários:

Anónimo disse...

Merecida homenagem.
A Paula é uma senhora escritora, sensível e uma companhia muito agradável.
Merece (como vão ver) uma leitura muito atenta...
Olá, Paula! A gente vai-se vendo...
Zé-Viseu

Anónimo disse...

Li ontem o conto e não gostei. Não é por estar mal escrito, é por eu não goatar deste tipo de contos cheios de citações. Lembra-me O Nome da Rosa com os textos em Latim.
Muito francamente, não gostei, mas respeito quem goste, claro.

Deco

Anónimo disse...

Deco, são gostos e esses não se discutem.Li no Clube de Detectives os contso e o que mais gostei foi o Prateleira 13 do Luís Pessoa. Simples,imprevisto, muito curioso e ao mesmo tempo forte.
Afonso

Anónimo disse...

Belo conto, mas muito trabalhado, pouco expontâneo e muito inverosímel. Um bom exercício de estilo.

Zzz

Anónimo disse...

Onde é que estão os outros contos que não encontro?

Didier

luis pessoa disse...

Caro Didier, em breve estarão aqui, também. Para já, pode ir lê-los no CLUBE DE DETECTIVES, do confrade Daniel Falcão, onde estão todos.

luis pessoa disse...

CLUBE DE DETECTIVES, em http://danielfalcao.net

Anónimo disse...

Meus amigos, é a primeira vez que intervenho e logo para comentar o conto que venceu o concurso sobre Aristides Sousa Mendes.
Já li todos os contos premiados e quero fazer a minha apreciação.
O Prateleira 13 é um bom conto, com duas histórias que se cruzam e interligam, mostrando que tudo se repete, mais tarde ou mais cedo. Como o Mundo vai tendo os seus loucos, em diferentes épocas.
O conto de João Rogaciano parece-me o mais fraco dos conhecidos, embora seja o único que aponta num crime para contar uma história.
O Brilho Perpétuo é para mim o mais bem conseguido, levando-nos a tempos que vivemos e a comportamentos que sabemos terem sido verdadeiros. É um conto inventado a partir da realidade conhecida e da que se suspeita ter existido. Muito bem conseguido e interessante, de uma força intensa e (quase) terrível, feita de morte e perseguição, aquilo que afinal acabou com o cônsul. Tiro-lhe o chapéu (que não uso)!
O vencedor, de Paula Marques é muito bem feito, muito trabalhado, mas pouco investigado. Os membros do júri deixaram-se levar pela prosa escorreita, feita de sapiência e estudo, mas deixaram passar erros básicos de acção, que hipotecam, a meu ver, a narrativa que a autora nos dá.
Li há uns anos um conto desta autora, que ganhou um concurso de contos no Público, de que gostei muito.
A acção deste agora quer reproduzir o que foi a realidade e vai seguindo os passos da história verdadeira, em discurso directo, como se diria agora, “on-line”. A fuga para Portugal ocorreu em 1940, altura em que a invasão da França ocorria. Em Agosto de 1940 já Aristides respondia perante as autoridades. Por essa altura, a Mathilde da nossa história tinha 10 anos. Já por cá, por Lisboa e arredores, os 11 anos de Mathilde mostravam uma menina de pernitas finas, mais ou menos para meados de 1941. Isto é dito em discurso directo ao correr da prosa e a analogia é perfeita: “Mathilda fez onze anos. Está alta mas magrinha. As suas pernitas parecem as do Bambi. Acho que não vai ser tão bela como Helga mas sabe ser delicada e resistente como a mãe.”.
Só que o Bambi não era conhecido nesse ano. O Bambi só “nasceu” em 21 de Agosto de 1942, mais de um ano depois da descrição e não parece capaz que pessoas a fugir de guerras e a tentar ir para os EUA tivessem informação do que se preparava para um ano depois.
Surpreende-me que membros do júri que são policiaristas de grande mérito, capazes de decifrar e encontrar os erros e os pormenores para decifrar, vencedores de muitos prémios, não tenham notado tamanho erro.
Peço desculpa por este texto, espero que a autora não leve a mal, mas fiquei decepcionado.
Chico Máximo

Anónimo disse...

Ó Chico Máximo isso é a mesma coisa do Luís Pessoa pôr o Asterix com o Aristides, o tipo nem sequer existiu.

ABcroco

Anónimo disse...

ABcroco, não é nada a mesma coisa. O Luís Pessoa fez uma ficção e deslindou no fim o que tinha acontecido(livros que ficaram dentro un do outro e misturaram as histórias), a Paula Marques usou um boneco que nem era conhecido para comparar os pernitas da Mthilde e cometeu um erro crasso que escapou aos jurados. O LP não comete esse erro, faz a história com uma situação que planeia e decifra no fim

Chico Máximo

Anónimo disse...

O Chico Máximo também está a complicar. O conto é bom e isso não interessa. Está mal mas não é importante eu gostei do conto.
I Martelada

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Chico Máximo:
Falo como membro do Júri, mas a título pessoal. Não tinha que investigar, pois conheço muito bem os factos que assinala. Nem me deixei iludir por um bom estilo que cobrisse um conteúdo com erros.
Pensei que não estava a corrigir um ponto de História e tentei, apenas,entrar no universo ficcional, por vezes onírico, de TODOS os concorrentes.
Sob a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia, disse o grande Eça. Valorizei, para todos, o primado da criatividade em relação ao rigor histórico.
Discutível? Sem dúvida! Não conheço ninguém que tenha conseguido o critério ideal para julgar seja o que for que se mova no mundo da ficção. Para mim, os tremendos erros que aponta só o são no plano do rigor histórico. Na acção ficcional, no fio condutor da acção, enquadram-se, até como metáforas imaginadas por alguém que olha para o passado com a sua visão do sec. XXI. E,se fosse por aí, teria que penalizar não só esse conto. Não estava, porém, a decifrar um problema policial, mas um texto literário (só.Ponto)
Dei o meu nome, expus-me às críticas. Aceito-as (faz parte do jogo), mas não concordo.
Tentei ser coerente no meu critério.
Sabia que isto me ia acontecer. Mas, por favor ... mau julgador, sim; ignorante ... nem tanto.
Cumprimentos
Zé-Viseu

Anónimo disse...

O Sr. Zé-Viseu vai desculpar mas eu não tive intenção de ofender ninguém. Só estranhei que tivesse passado tamanho erro.
Agora ainda fiquei mais incomodado por ver que afinal parece que o culpado pelo erro sou eu. Esperava que houvesse uma explicação, como a que faz, mas dizendo que escapou o pormenor, mas afinal o sr. Zé-Viseu insiste.
Não concordo nem um bocadinho quando diz que no conto está a visão de uma pessoa do século XXI. O conto está a ser contado em discurso directo, há um narrador que está a contar a história no preciso momento e por isso, por muito que lhe custe e sei que é professor de português, a autora falhou naquilo que pretendia e acho que competia aos membros do júri apontarem o erro. Afinal parece que o notaram mas validaram-no e isso é ainda pior.
Peço desculpa, acho que não vou voltar a comentar, sobretudo quando apontando um erro que acho grave, quase sou condenado por ser inconveniente.
Pronto, reconheço, o culpado de tudo fui eu.

Chico Máximo

luis pessoa disse...

PONTO DE ORDEM!

O confrade Chico Máximo apontou um lapso que reputa de importante e o Zé-Viseu, como membro do Juri disse de sua justiça.
Este espaço é de todos e ninguém deve excluír ou excluír-se.
O conto de Paula Marques venceu o concurso, ponto final!
Com esse erro ou sem esse erro, o conto tem qualidade indiscutível e penso que a substituição da metáfora será o resultado mais aceitável para esta situação. Espero que mereça a aprovação (também) da autora Paula Marques.

O confrade Chico Máximo teve uma atitude louvável e demonstrou um magnífico sentido de análise, "encontrando" o lapso. Obrigado pela atenção revelada. Espero poder relê-lo por estes lados.
Quanto ao trabalho do Juri, ele está feito, levou a bom porto aquilo a que se propôs e encontrou o vencedor do concurso que entendeu
e face aos critérios que definiu, como qualquer Juri.

Anónimo disse...

Eu gostei muito do Prateleira 13. Do vencedor também, mas se está errado em alguma coisa deve ser corrigido pela autora. Não sei se devia ou não ser penalizado pelos jurados, mas acho que sim. Pelo menos não devia ganhar porque não está todo certo. É a minha opinião.
Inspector Alegria

Anónimo disse...

Meu caro Chico Máximo:
O que para aí vai! Aqui não há culpados; há pontos de vista diferentes, tratados frontalmente e com dignidade.
Nenhum de nós é dono da verdade. Eu aceito a sua posição! Se não aceita a minha, paciência...
Por favor, não fale é no plutal - "notaram". Fui muito claro quando disse que falava SÓ em meu nome pessoal.
Esteja à vontade, critique o que entender, desde que o faça seguindo as regras de um diálogo civilizado, como foi o seu caso!
Por mim, ponto final no assunto. Já dissemos o que pensávamos; não vale a pena chover mais no molhado!
Já disse o que achava sobre aquilo que as pessoas pensam em relação ao "erro".
Para outros comentários:
Tenho pena, pessoalmente, que se tente desvalorizar a vitória da Paula, por este pormenor. Infelizmente, começa a ser um hábito! Ser árbitro é terrível!!! E ganhar qualquer coisa parece crime que está sempre a ser alvo de """protesto""" e desvalorização.
Um abraço amigo
Zé-Viseu

Anónimo disse...

Não sei se um juri tem de saber todas as coisas que lá aparecem, mas acho que não. O Zé-Viseu como membro do juri é que não pode dizer que até sabe disso tudo mas estava lá era para ler o conto porque asim colaborou num erro que ele já sabia que estava lá.

Zurc

Anónimo disse...

Não gostei da maneira como o Zé-Viseu defendeu a sua dama. Até parece que ele já sabia que o erro estava lá mas não estava a decifrar um problema mas sim um texto literário. Não é contra esta descriminação que andamos a lutar todos hà décadas, Sete de Espadas, Constantino, tantos?
Reconhecer um falhanço não é crime,

Jo.com

Anónimo disse...

Jo.com:
A minha última intervenção é mesmo para pôr em evidência aquilo que o amigo disse - eu estava a julgar um texto literário, ficcionado; Não um conto policial, literário, sim, mas onde um erro é um erro, não uma imagem de autor. Compare, por favor, as novelas policiárias de Fernando Pessoa com os poemas do autor e repare que, sendo ambos literatura (e da melhor), nas novelas um erro indicia crime. Na poesia, se fôssemos à procura dos "erros", destruíamos a genial criatividade do autor!
Repare no belíssimo interseccionismo (Pessoano, diria) de Prateleira 13: dois planos (Asterix e Mendes), unidos por um ângulo comum - Viriato! Quero lá eu saber se Asterix é uma figura de ficção, que não poderia aparecer, fisicamente, a ninguém. Não me importa nada - no universo ficcionado criado pelo autor , podia; logo, não há erro nenhum! A ficção cria microcosmos espacio-temporais onde isso é possível. Diferente seria se estivesse a ler (e analisar) um problema policial, pois teria de dizer, expressamente, que havia um erro. Se o não dissesse, seria penalizado.
Isto significa que, sendo ambos literatura (e não há literatura maior ou menor; há literariedade ou não há), o ângulo de análise de ambos os textos tem de ser diferente.
Falou em Constantino. Eis o exemplo claro do que acabo de escrever. Os contos do Avô Palaló são pura e boa literatura. Mas ai de mim se não aponto todos os pormenorzinhos... Uma coisa é ler o conto literário do avô Palaló; outra é resolver o problema policial que há no MESMO texto...
Julgar um texto literário tem a ver com ritmo, imagética, montagem e fio condutor de acção, linguagem. Nem tem a ver com o que nós pensamos da acção montada (sabe quem me conhece bem que eu me identifico TOTALMENTE com outro conto a concurso).
Não estou aqui a defender a minha dama e custa-me que considerem que não vi um erro que, para mim, naquele contexto ficcional, não existe. Fosse o conto um problema policiário e eu tinha 10 (e ainda não vi apontadas outras coisas que eu colocaria na minha solução). Mas não era e não me pesa a consciência. São os meus valores de análise literária. Tenho de ser coerente...
Foi muito bom ter dialogado, com elevação, sobre estes temas.
Um abraço
Zé-Viseu

Anónimo disse...

Curiosamente, como já aqui referi, neste espaço de comentários estes só aperecem para apontar erros e nunca para aplaudir.
No caso presente penso que o erro apontado é irrelevante para a qualidade do conto em questão. O que estava em causa era o conto enquanto obra literária e creio que neste aspecto não há nada a apontar.
Erros todos os cometemos e alguns desses erros até aparecem em obras que deveriam ser rigorosas e dou um exemplo:
Na enciclopédia Sec.21 na última página ou numa das últimas no artigo referente ao Algarve aparece uma foto com a legenda: "Aldeia das Açoteias".
Aconntece que a referida foto nada tem a ver com a referida aldeia mas sim com Olhão.
É a foto de uma casa que fica situada na esquina da rua Luis de Camões com a Praça da Restauração.
Não sei se a casa ainda existe mas nela residiu durante muitos anos um motorista de táxi.
Como vê até uma obra, que custa os olhos da cara, que devia ser rigorosa comete estes erros que podem induzir os outros em erro.
Nós afinal não sabemos se a Paula Marque para se decumentar consultou alguma obra em que a data do aparecimento do Bambi está errada.

Rip Kirby

Paulo disse...

O conto deve ser analisado pela qualidade literária que possui e não por alegados erros factuais. O conto é literatura, é ficção e é nessa perspectiva que o jurí o deve analisar.
Depois, há leitores que concordam com a posição do juri, outros que não concordam, mas essas atitudes já passam pelo gosto pessoal, e se os gostos fossem todos iguais as artes desapareceriam.
Quanto ao alegado erro, e para quem o considera muito relevante, convém que se saiba.
Bambi foi um livro escrito em alemão(Bambi, ein Leben im Walde) no ano de 1923 por um escritor judeu, de nome Siegmund Salzmann, que assinou a obra sob o nome de Felix Salten.
Este escritor chegou a ser presidente do PEN club austríaco antes da ascenção ao poder dos nazis que o obrigaram a refugiar-se na Suiça.
Na década de 30 Hitler proibiu as obras deste autor.
A personagem Bambi, a sua descrição física, e a história poderiam perfeitamente ser do conhecimento das personagens do conto antes de ter surgido o filme.
Para terminar: Parabéns à autora.

Anónimo disse...

O comentário do Paulo despertou-me a curiosidade e fui em busca de informações as quais me esclareceram.
Bâmbi é o nome vulgar de alguns cervídios.
Ora sendo assim a personagem da Paula nem necessitava de conhecer a obra para fazer a comparação que fez. Bastava que conhecesse as caracteríticas deste animal.
Sobre a personagem cinematográfica Bâmbi ela realmentee apareceu em 1942 numa longa metragem de animação, a 5ª, da Disney. O guião do filme foi baseado no romance de Felix Salten.
Em 1943 recebeu três indicações para o Oscar nas categorias de: "Melhor Trilha Sonora", "Melhor Som" e "Melhor Canção Original"
A produção deste filme foi iniciada em 1936 mas sofreu alguns adiamentos devido à busca de um masior realismo na animação.
Em Outubro de 2008 foi divulgada uma pesquisa onde este filme apareceu como um dos que mais fizeram o público chorar.
Infelizmente não consegui encontrar informação sobre o autor de Bâmbi mas ela deve existir certamente.
Este texto apenas tem por finalidade de dar a conhecer alguns pormenores menos divulgados do Bâmbi e ao mesmo tempo eximir a Paula dos erros que lhe são atribuidos

Rip Kirby