segunda-feira, 29 de agosto de 2011

POLICIÁRIO 1049

Como estamos ainda em tempo de férias, pelo menos da forma que a tradição manda, vamos avançar mais um passo, com a finalidade de mantermos a nossa casa devidamente arrumada, cumprindo os prazos anteriormente definidos.
Nesse sentido, publicamos hoje as soluções oficiais dos dois problemas que constituíram a prova n.º 7 e cujo prazo para os confrades solucionarem, terminou apenas na passada semana.
Esta pressa, parecendo injustificada, tem a ver com a publicação, nas próximas duas semanas dos desafios respeitantes à prova n.º 9, que impediria a divulgação das soluções, quebrando assim, ainda mais, o ritmo que empreendemos esta época.

Uma chamada de atenção para o facto de nas soluções que hoje publicamos serem referidos três nomes grandes da literatura, embora em planos bem diferentes e cada qual no seu género literário: Jonh Dickson Carr, Arthur Conan Doyle e Eça de Queiroz.

Na verdade, ultimamente não se verifica uma relação tão acentuada, entre os aderentes do Policiário e os escritores policiais, como outrora. Em norma, em épocas mais distantes, os “detectives” chegavam ao Policiário já com uma prática intensa de leitura de romances policiais, principalmente clássicos, o que fazia com que a decifração dos enigmas seguissem uma metodologia decalcada das deduções brilhantes de Sherlock, Poirot, Maigret ou de Fell. Era curioso e quase infalível, detectar na leitura das soluções, as influências que cada um desses “monstros sagrados” do policial faziam prevalecer em cada um dos nossos confrades “detectives”.

Hoje, naturalmente já assim não acontece e verificamos que muitos dos participantes não conhece nem leu nenhuma das obras que faziam o ABC de qualquer “detective”. A riqueza da internet consegue eliminar o que poderia funcionar como uma debilidade e qualquer pessoa consegue obter resumos e pequenas dicas que lhe contam “tudo” sobre o livro ou a personagem que lhe interessa, sem o “esforço” de ter de ler.

Havendo no nosso mundo Policiário uma devoção, chamemos-lhe assim, por Dickson Carr, como um dos grandes mestres dos crimes de “quarto fechado”, os chamados crimes impossíveis, também por isso, o nosso agradecimento ao confrade Paulo.

Já no que diz respeito ao problema dos Búfalos Associados, a presença de Sherlock Holmes, investigador de Conan Doyle, considerado o representante máximo do raciocínio lógico, bem como Eça de Queiroz, um dos nossos maiores expoentes literários, a sua chamada aos nossos torneios, pela mão dos confrades Búfalos Associados, apenas revela que o Policiário pode e deve ser uma porta aberta por onde podem entrar todas as formas literárias e culturais, dentro da máxima antiga de que “o saber não ocupa espaço”.

Os Búfalos Associados acabam por fazer uma ponte importante entre dois tipos de Literatura, cada qual com as suas particularidades e especificidades, mas ambas de excelente qualidade. E esse será o factor principal a reter, o de que a qualidade é que é essencial, tudo o resto, etiquetas, rótulos, etc., não passam de simples acessórios.


CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL
SOLUÇÃO DA PROVA N.º 7 – PARTE I
“CRÓNICA DO MEU SUICÍDIO”, de PAULO

Não é crime. Quer porque “o morto” refere que se trata de suicídio, quer porque não seria possível sair da sala e fechá-la por dentro, de acordo com os testes feitos pela polícia e as conclusões a que chegou.

Como é que foi cometido o suicido?

Com um punhal de gelo. O estojo era estanque, em volta da forma do punhal, o que permitiu enchê-lo de água, colocá-lo no congelador, e obter um punhal de gelo com a forma da arma de lâmina metálica que ocuparia o estojo.

Depois, com o punhal, a carótida foi cortada. O punhal terá caído para o chão, pois a vítima perderia rapidamente muito sangue e o cérebro deixaria de ser oxigenado.

Com o calor dos aquecedores, o punhal fundiu e água foi evaporando, não deixando vestígios. O tempo de espera até chegar a polícia permitiu a evaporação da água que por causa do aquecedor terá sido bastante rápida.

As luvas facilitaram o acto de segurar o punhal.

Para terminar, refira-se que o uso de uma arma letal de gelo é um dos processos apontados por John Dickson Carr, pela voz do Dr. Gideon Fell na obra “ Os três ataúdes”, para cometer um crime num quarto fechado. O autor enuncia nesse livro um conjunto de situações em que os crimes parecem impossíveis.

Há quem considere que Os três ataúdes a melhor obra do género “crime em quarto fechado”.


SOLUÇÃO DA PROVA N.º 7 – PARTE II
“MANUAL DE INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS”, de BÚFALOS ASSOCIADOS


A resposta correcta é: C – o DÂMASO

“Os Maias” de Eça de Queiroz é possivelmente o romance mais lido e mais apreciado de toda a literatura portuguesa. Muita gente continua a fazer dele a sua leitura de cabeceira, com sempre renovado prazer. É o caso do Inspector Garrett, acontecendo-lhe, por vezes transportar as personagens da obra para sonhos recheados de imaginação inspirada. O sono apanhou-o em pleno Capítulo IX.

De facto é a Dâmaso Salcede que devemos atribuir as suspeitas deste crime imaginário. Consultando o romance verifica-se que a espada que Ega usou no seu disfarce de Mefistófeles fora-lhe emprestada por Carlos da Maia nessa mesma manhã, não estando até aí à vista de ninguém. Encontrava-se ainda encaixotada no andar de cima da casa, desde a última mudança. Mas não é preciso ler “Os Maias” para concluir que Dâmaso não conhecia a espada. No nosso sonho, quando Ega chegou a casa dos Cohen levando consigo a espada, o Dâmaso ainda lá não estava, pelo que não podia tê-la visto. Declara mesmo não ter visto nada lá em casa e só ter ouvido toda a gente em correrias a dizer:”Mataram a Sr.ª. D. Raquel à espadeirada!” E saiu logo para se juntar aos outros. Como pode então descrever a espada assassina com tanto pormenor? Certamente porque mente e só pode ter sido ele a usá-la. Talvez se tenha cruzado com Ega quando este se retirava ofendido, nervoso e embriagado, pelo que não terá reparado que Dâmaso lhe surripiara a arma. Porque motivo, mataria ele a Raquel? Talvez por ciúme, sentindo-se preterido nas suas pretensões pela bela Cohen.

Claro que, no romance, Eça não “matou” a Raquel. O marido limitou-se a pregar-lhe uma coça e no dia seguinte partiram para Inglaterra. Ega ficou furioso quando de tal soube: - ”Uma coça! A bengala purifica tudo! Que canalha!” E lembrava-se da bengala do Cohen, um junco da Índia com uma cabeça de galgo por castão. – “E aquilo zurzira-lhe as carnes que ele tinha apertado com paixão! E assim terminava reles e chinfrim, o romance melhor da sua vida! Aquilo acabava em arnica!”

Duas notas, mais:

1- O livro que desperta a atenção de Carlos em casa de Maria Eduarda, chama-se exactamente: “Manual de Interpretação dos Sonhos”.

2- A primeira obra de Conan Doyle em que surge Sherlock Holmes foi editada em Londres em 1887 (“A Study in Scarlet”) exactamente um ano antes da publicação dos “Os Maias”. Não seria pois estranho que Craft, inglês e culto, se mascarasse de Sherlock Holmes, no sonho de um declarado admirador de ambos os autores.





Sem comentários: