quarta-feira, 11 de julho de 2012

JARTURICE OU... JARTURADA - 11


Problema # 10

MORTE NO ESCRITÓRIO

Original de: Luís Pessoa

Publicado na secção POLICIÁRIO em: 11.Julho.1992

O inspector Barros estava à beira de um ataque de nervos.

- Será possível? – interrogou-se desesperadamente. – Será possível que tenha acontecido

isto nas minhas barbas? É de mais!

Afonso Cabral era um industrial bem sucedido, rico, amigo do inspector, a quem convidara para passar uns dias na sua mansão, e agora aparecera morto com um tiro na fronte.

A morte dera-se no escritório, ao que tudo indicava, situado no rés-do-chão, e resumia-se com facilidade.

Às 10 da manhã, quando o inspector estava a fazer a barba no seu quarto, ouviu um tiro ao fundo do corredor, para onde se deslocou de imediato, encontrando-se a meio caminho com o mordomo que acorria, igualmente, ao escritório.

A porta estava fechada e foi necessário arrombá-la para que o inspector visse o seu amigo estendido junto da secretária, com uma ferida na fronte direita, de onde ainda brotava sangue que empapava a alcatifa, e segurando a caneta com força na mão esquerda. Junto à sua mão direita estava a pistola automática que parecia ter utilizado. Ao fundo do compartimento, à direita, a janela batia ligeiramente, impelida pela brisa que soprava lá fora e no ar sentia-se o cheiro adocicado do tabaco que ardia no cachimbo colocado sobre o cinzeiro, no canto da secretária.

Naquele momento chegou o filho único da vítima, o Henrique, que assomou à porta, lançou um grito, precipitando-se para o cadáver do pai, no que foi impedido pelo inspector.

Mais calmos, todos prestaram as suas declarações.

Mordomo: “Estava na sala a tratar de tudo para o pequeno-almoço quando ouvi um estrondo que me pareceu um tiro e vim logo a correr, até o encontrar no corredor. Não sei nada do que se passou… Não, ainda não tinha ido ao escritório, onde quase nunca entro porque o senhor não queria que devassassem a sua intimidade, fechando-se à chave…”

Filho: “Meu Deus, que sei eu? Nada! Estava no jardim quando ouvi o tiro e vim a correr. Nunca pensei que o meu pai se suicidasse, mas as coisas não lhe estavam a correr muito bem ultimamente. Sabe… Questões de dinheiro!... Não, não vi ninguém a passar por mim lá fora, nem ninguém a rondar a casa ou a janela… Para quê? Se ele se suicidou… Uma tragédia!”

Uma busca pormenorizada ao escritório não revelou qualquer outro sinal relevante, nem sinais de alguém lá ter penetrado, pelo que o inspector já tinha uma boa ideia sobre o que se passara e estava apto a elaborar o relatório…



E você? Houve um crime ou suicídio? Justifique a sua afirmação.

Como ajuda suplementar posso dizer que há três pormenores que tem de ser indicados obrigatoriamente, embora haja mais, que focaremos quando da publicação da solução e classificação.



NOTA:

Como repararam, este problema policial é diferente dos anteriormente divulgados. Aqueles, sugeriam quatro possibilidades de resposta, e poder-se-ia acertar na correcta, única e simplesmente por mero palpite. Este, requer uma leitura igualmente atenta, pormenorizada, e a tomada de apontamentos para que nenhum pormenor se escape.

E finalmente, requer um trabalho narrativo, minucioso, escalpelizando todos os pormenores susceptíveis de constituir prova de verdade ou mentira, capazes de ditar um exercício literário, reflectido, fruto da inteligência, perspicácia, dedução e poder criativo do decifrador, que estará em confronto com os demais concorrentes da secção.

Para melhor compreendermos o processo de decifração deste caso, vamos reproduzir, tal qual, o que sobre o assunto escreveu o Inspector Fidalgo.

Jartur


Solução do autor: Publicada na secção POLICIÁRIO em: 01.Agosto.1992

Vamos trabalhar no sentido de “digerir” o problema “Morte no escritório”, que acho que poderá constituir uma boa base de trabalho para verificarmos o que um simples texto nos pode transmitir.

Vejamos então:

Curiosamente, e desde já, a indicação de que ninguém foi totalista, o que quereria dizer, no caso de se tratar de um torneio, que tinha havido um “pleno” do seu autor. Que havia crime, quase todos atingiram. Uma meia dúzia enveredou pelo suicídio, mas vamos ver que não podia ser.

Em primeiro lugar, porque a marca produzida pela arma não nos falava em queimaduras. Um tiro dado à queima-roupa (como no suicídio tinha que ser) produziria uma auréola em torno do buraco de penetração, queimando a pele. Tal não se verifica, logo não poderá haver suicídio. Por outro lado, há a questão da caneta na mão esquerda e a arma junto da mão direita. Se fosse suicídio, a tendência seria para “agarrar” a pistola, o que não aconteceu.

Parece pois, que o suicídio é de excluir, como quase todos apontaram, de resto. Mas há mais e aqui é que ninguém parece ter lido quer nas linhas, quer nas entrelinhas.

Repare-se:

- Trata-se de uma pistola. Portanto, teria de ejectar a cápsula, ou seja, atirá-la fora. Numa busca pormenorizada, nada foi encontrado. Se fosse suicídio, certamente que o indivíduo não ia recolher a cápsula… depois de morto!

- Cheirava a tabaco… Se o tiro tivesse sido dado dentro da sala, não haveria cheiro a pólvora? Claro que sim!

Quase todos os concorrentes enveredaram pelos aspectos psicológicos, nomeadamente a questão de estar a fumar cachimbo e a escrever, para indicar que não estava sob tensão para se suicidar. Também é verdade! Mas um bom detective terá de começar pelos aspectos verificáveis e objectivos: o que está lá no local do crime! E só depois tentar justificar um determinado acto pelos aspectos de subjectividade. Não que sejam menos importantes, e casos há que são resolvidos por essa via, mas primeiro tem de estar irrefutável!

Resumindo (peço-vos que vão buscar o texto do problema e sigam o raciocínio), não foi suicídio porque não há marcas de queimaduras em torno da ferida; não largaria a pistola depois de disparar, uma vez que agarrou com toda a força a caneta; tinha de estar uma cápsula no interior da sala; tinha de cheirar a pólvora lá dentro, já que o tiro era desferido aí.

Só depois poderíamos enveredar pelos aspectos psicológicos e subjectivos, que iriam reforçar sempre a ideia de que sem se suicida não está a fumar cachimbo ou a escrever! Crime, portanto!

Quem o cometeu… teria de ser o filho, porque era o único com oportunidade e motivo, pela sua localização no exterior, que ele mesmo denuncia.

Se foi ou não um bom exercício, o futuro o dirá. Mas que os nossos detectives andaram um pouco aos “papéis”, isso também é verdade. Chamo ainda a atenção para o facto de, em futuros torneios, ser este o género de problemas mais utilizado. Daí a sua atenção redobrada!

Inspector Fidalgo

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