domingo, 2 de dezembro de 2012

POLICIÁRIO 1113

 

Damos hoje resposta ao enigma que publicámos, referente à prova n.º 8, parte I, de autoria da dupla Búfalos Associados.
Tratou-se de um problema importante para a nossa secção, porque representou uma intersecção de dois dos passatempos mais usuais entre os cultores de desportos intelectuais: As Charadas e o Policiário.
Na realidade, não sendo muito frequente tal aproximação, ao longo das respectivas histórias de vida de ambos os passatempos, os confrades Búfalos Associados trouxeram ao Policiário a mais-valia das Charadas, que se baseiam no estudo aprofundado e exaustivo da Língua Portuguesa (tal como acontece, igualmente, nas Palavras Cruzadas, que já passaram por cá, no passado).
Este aspecto foi-nos referido por muitos confrades, uns considerando ter sido uma cedência, mais ou menos injustificada, do Policiário – ideia que não partilhamos de todo -, outros saudando a iniciativa e confessando que nunca, até agora, tinham sequer olhado para uma Charada. Por outro lado, registamos a presença de alguns charadistas a participar na tentativa de resolução do problema.
Podemos, pois, dizer que este problema cumpriu a sua missão essencial: Constituir um bom desafio aos “detectives”, remetendo-os a um passatempo diferente daquilo a que estão habituados e chamar ao Policiário os “mestres” das Charadas, fazendo-os contactar com o nosso passatempo.

CAMPEONATO NACIONAL E TAÇA DE PORTUGAL
SOLUÇÃO DA PROVA N.º 8 – PARTE I
“A TIA LAURINDA E O TESOURO DO CAPITÃO KIDD”, de BÚFALOS ASSOCIADOS


"O Escaravelho de Ouro" e "A Carta Roubada" foram os dois contos de Edgar Allan Poe, incluídos nas "Histórias Extraordinárias", que inspiraram a tia Laurinda nos factos rememorados pelo Inspector Garrett enquanto gozava as delícias do clima algarvio, na varanda da moradia que herdara de sua tia.
Poe é um dos mais importantes escritores norte-americanos, a tradução das suas obras por Baudelaire deu-lhe uma enorme repercussão a nível mundial, e é para muitos o iniciador da novela policial e das histórias de raciocínio. Nascido em Boston em 1809 e falecido em Baltimore em 1849, depois de se ter alistado na Marinha foi destacado para a ilha de Sullivan, que o inspirou para a escrita do conto"O Escaravelho de Ouro". Foi nele que a tia Laurinda pensou quando alcunhou a sua colecção de jóias de "Tesouro do Capitão Kidd", que é no conto a suposta origem das jóias encontradas por Legrand na base de uma tulipeira gigante nas matas da Carolina do Sul, com a ajuda de um escaravelho dourado e de um papel que continha um estranho criptograma. Só que, no seu caso, a tia Laurinda substituiu o criptograma por charadas, outra das suas paixões.
"Nada é mais detestável para a sabedoria do que demasiada subtileza", é esta citação de Séneca que abre "A Carta Roubada". Resumidamente é a história de uma carta altamente importante e comprometedora, que escapa a aturadas buscas de quem a quer encontrar, apenas porque está bem à vista e com todo o ar de não ter qualquer valor. Foi seguindo esta lição que a tia Laurinda deixou bem à vista o sobrescrito com a pista que conduziria Garrett ao "Tesouro", bem à vista dos ladrões a cuja "limpeza" escapou desta forma.
Quanto à pista, Garrett decifrou-a graças aos conhecimentos básicos de charadismo aprendidos com tia Laurinda e os trabalhos do saudoso Ordisi. Ainda tinha escrito num velho caderno de notas: "Uma charada é, basicamente, uma frase lógica na qual aparecem destacadas pelo menos duas palavras (no caso das Adicionadas são normalmente três) em que a última é sempre um sinónimo da palavra a encontrar (Conceito). A outra (ou outras) é uma palavra (Parcial) cujo sinónimo terá de ser encontrado para a partir dele construir o Conceito. Para tal é-lhe aplicada a adição ou elisão de uma sílaba, consoante as regras da gramática: PRÓTESE, EPÊNTESE e PARAGOGE, ou AFÉRESE, SÍNCOPE e APÓCOPE, formando desta forma a solução desejada ou Conceito. Deve ainda ser indicado o número de sílabas de cada palavra destacada, pela ordem em que aparecem na frase."
No papel da tia Laurinda apareciam oito charadas cuja decifração Garrett encontrou da seguinte forma:
1-ADICIONADA:ESCARAVELHO(insecto)=ESCARA(ulceração)+VELHO(idoso)
2-PARAGÓGICA: OURO (riqueza) = OU(alternativa)+RO
3-APOCOPADA: ESTÁ (existe) = ESTAME(filamento) - ME
4-PROTÉTICA: DESPENSA (depósito) = PENSA(cogita)+DES
5-EPENTÉTICA: BANCADA (balcão) = BANDA(flanco)+CA
6-PARAGÓGICA: DIREITA (recta) = DIREI(afirmarei)+ TA
7-APOCOPADA: LATA (descaramento) = LATADA(descaramento) - DA
8-EPENTÉTICA: ROBUSTA (café) = ROTA(caminho)+BUS

A pista fica então: "o ESCARAVELHO de OURO ESTÁ na DESPENSA na BANCADA DIREITA na LATA da ROBUSTA". E, de facto, lá estava dentro de uma velha caixa de folha de flandres pintada com os dizeres "Café Robusta"(um belo café do sul da Índia), uma quantidade apreciável de jóias das quais se destacava um enorme escaravelho em ouro maciço com três grandes rubis encastoados que davam ao conjunto o aspecto de uma caveira. Claro que a Tia Laurinda usou à sua maneira as regras do charadismo, uma vez que o intuito era apenas deixar uma pista que nem todos decifrassem.
Sobre "A Carta Roubada" escreveu Lacan: "Só vemos o que queremos ver ou o que estamos dispostos a ver e não vemos aquilo para que não estamos motivados para ver." Sábio aviso para quem, como todos nós, se dedica a decifrar enigmas policiários.


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