Damos hoje resposta ao enigma que
publicámos, referente à prova n.º 8, parte I, de autoria da dupla Búfalos
Associados.
Tratou-se de um problema
importante para a nossa secção, porque representou uma intersecção de dois dos
passatempos mais usuais entre os cultores de desportos intelectuais: As
Charadas e o Policiário.
Na realidade, não sendo muito
frequente tal aproximação, ao longo das respectivas histórias de vida de ambos
os passatempos, os confrades Búfalos Associados trouxeram ao Policiário a
mais-valia das Charadas, que se baseiam no estudo aprofundado e exaustivo da
Língua Portuguesa (tal como acontece, igualmente, nas Palavras Cruzadas, que já
passaram por cá, no passado).
Este aspecto foi-nos referido por
muitos confrades, uns considerando ter sido uma cedência, mais ou menos
injustificada, do Policiário – ideia que não partilhamos de todo -, outros
saudando a iniciativa e confessando que nunca, até agora, tinham sequer olhado
para uma Charada. Por outro lado, registamos a presença de alguns charadistas a
participar na tentativa de resolução do problema.
Podemos, pois, dizer que este
problema cumpriu a sua missão essencial: Constituir um bom desafio aos
“detectives”, remetendo-os a um passatempo diferente daquilo a que estão
habituados e chamar ao Policiário os “mestres” das Charadas, fazendo-os
contactar com o nosso passatempo.
CAMPEONATO NACIONAL E
TAÇA DE PORTUGAL
SOLUÇÃO DA PROVA N.º
8 – PARTE I
“A TIA LAURINDA E O
TESOURO DO CAPITÃO KIDD”, de BÚFALOS ASSOCIADOS
"O Escaravelho de Ouro"
e "A Carta Roubada" foram os dois contos de Edgar Allan Poe,
incluídos nas "Histórias Extraordinárias", que inspiraram a tia
Laurinda nos factos rememorados pelo Inspector Garrett enquanto gozava as
delícias do clima algarvio, na varanda da moradia que herdara de sua tia.
Poe é um dos mais importantes
escritores norte-americanos, a tradução das suas obras por Baudelaire deu-lhe
uma enorme repercussão a nível mundial, e é para muitos o iniciador da novela
policial e das histórias de raciocínio. Nascido em Boston em 1809 e falecido em
Baltimore em 1849, depois de se ter alistado na Marinha foi destacado para a
ilha de Sullivan, que o inspirou para a escrita do conto"O Escaravelho de
Ouro". Foi nele que a tia Laurinda pensou quando alcunhou a sua colecção
de jóias de "Tesouro do Capitão Kidd", que é no conto a suposta
origem das jóias encontradas por Legrand na base de uma tulipeira gigante nas
matas da Carolina do Sul, com a ajuda de um escaravelho dourado e de um papel
que continha um estranho criptograma. Só que, no seu caso, a tia Laurinda
substituiu o criptograma por charadas, outra das suas paixões.
"Nada é mais detestável para
a sabedoria do que demasiada subtileza", é esta citação de Séneca que abre
"A Carta Roubada". Resumidamente é a história de uma carta altamente
importante e comprometedora, que escapa a aturadas buscas de quem a quer
encontrar, apenas porque está bem à vista e com todo o ar de não ter qualquer
valor. Foi seguindo esta lição que a tia Laurinda deixou bem à vista o sobrescrito
com a pista que conduziria Garrett ao "Tesouro", bem à vista dos
ladrões a cuja "limpeza" escapou desta forma.
Quanto à pista, Garrett
decifrou-a graças aos conhecimentos básicos de charadismo aprendidos com tia
Laurinda e os trabalhos do saudoso Ordisi. Ainda tinha escrito num velho
caderno de notas: "Uma charada é, basicamente, uma frase lógica na qual
aparecem destacadas pelo menos duas palavras (no caso das Adicionadas são
normalmente três) em que a última é sempre um sinónimo da palavra a encontrar
(Conceito). A outra (ou outras) é uma palavra (Parcial) cujo sinónimo terá de
ser encontrado para a partir dele construir o Conceito. Para tal é-lhe aplicada
a adição ou elisão de uma sílaba, consoante as regras da gramática: PRÓTESE,
EPÊNTESE e PARAGOGE, ou AFÉRESE, SÍNCOPE e APÓCOPE, formando desta forma a
solução desejada ou Conceito. Deve ainda ser indicado o número de sílabas de
cada palavra destacada, pela ordem em que aparecem na frase."
No papel da tia Laurinda
apareciam oito charadas cuja decifração Garrett encontrou da seguinte forma:
1-ADICIONADA:ESCARAVELHO(insecto)=ESCARA(ulceração)+VELHO(idoso)
2-PARAGÓGICA: OURO (riqueza) =
OU(alternativa)+RO
3-APOCOPADA: ESTÁ (existe) =
ESTAME(filamento) - ME
4-PROTÉTICA: DESPENSA (depósito)
= PENSA(cogita)+DES
5-EPENTÉTICA: BANCADA (balcão) =
BANDA(flanco)+CA
6-PARAGÓGICA: DIREITA (recta) =
DIREI(afirmarei)+ TA
7-APOCOPADA: LATA (descaramento)
= LATADA(descaramento) - DA
8-EPENTÉTICA: ROBUSTA (café) =
ROTA(caminho)+BUS
A pista fica então: "o
ESCARAVELHO de OURO ESTÁ na DESPENSA na BANCADA DIREITA na LATA da
ROBUSTA". E, de facto, lá estava dentro de uma velha caixa de folha de
flandres pintada com os dizeres "Café Robusta"(um belo café do sul da
Índia), uma quantidade apreciável de jóias das quais se destacava um enorme
escaravelho em ouro maciço com três grandes rubis encastoados que davam ao
conjunto o aspecto de uma caveira. Claro que a Tia Laurinda usou à sua maneira
as regras do charadismo, uma vez que o intuito era apenas deixar uma pista que
nem todos decifrassem.
Sobre "A Carta Roubada"
escreveu Lacan: "Só vemos o que queremos ver ou o que estamos dispostos a
ver e não vemos aquilo para que não estamos motivados para ver." Sábio
aviso para quem, como todos nós, se dedica a decifrar enigmas policiários.
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