O prometido é devido e por isso aqui fica a solução apresentada pelos seus autores, JÚLIO PENATRA & GÁ. Por se tratar de uma solução muito extensa para a capacidade da nossa secção do PÚBLICO, foi solicitada aos autores uma versão mais condensada, que foi a publicada hoje no jornal.
Aqui fica, a versão original...
Venham de lá esses ossos…
B- Isto é muito
interessante… e mais interessante seria se a nossa descoberta tivesse alguma
coisa que ver com a história do lenhador de que falámos.
E- Ó meu! E por que é que havia de ter? Alguém
pode explicar-me?
Talvez. Vejamos, então:
-O que foi que
aconteceu?
A malta descobriu uma moeda, de cobre, de 3 réis, no bosque
do Tojo, em Castanheira do Ribatejo.
Quando voltaram à procura de moedas de oiro, o que
encontraram foram ossos.
-Quando ocorreram as
descobertas?
No último fim-de-semana de Setembro de 1968 e no primeiro
fim-de-semana do Outubro seguinte.
-Quais as questões
levantadas?
Do texto ressalta que, pelo menos, 2 questões principais se
levantaram no espírito da malta:
1ª-Haveria moedas de ouro enterradas no mesmo local?
2º-Teriam os ossos descobertos alguma coisa que ver com a história
do lenhador, de que tinham falado no acampamento do fim de semana anterior?
-Quais os indícios
recolhidos?
Quanto à moeda:
Para saberem se a descoberta teria alguma coisa que ver com a
história do lenhador de que falaram no acampamento anterior, analisaram e
concluíram que a moeda, como a inscrição indicava, era do reinado de D. Luís I,
e fora cunhada em 1868.
Naquela edição foram cunhadas 100.000 moedas de III réis, em
cobre, e só mais tarde, em 1875, foi feita uma nova edição neste material de
moedas do mesmo valor, mas em muito maior quantidade.
A moeda não é rara. Hoje ainda há quem as guarde e as possa
perder. Tendo sido encontrada num estrato acima dos ossos, a moeda não servia para
datação do achado, na medida em que debaixo dela repousava uma infinidade de
tempo passado desde as origens até àquele dia da sua descoberta.
Quanto aos ossos, verificaram, como deviam:
a- se eram de animal ou
humanos
O texto é claro quanto à caveira, quando diz que se tratava
de um caucasiano, um tipo de ser humano. Não uma raça humana, porque não se
entende assim, mas um determinado tipo de desenvolvimento corporal humano
resultante da transformação sofrida por adaptação ao seu ambiente ao longo do
tempo. Como humanos, terão de considerar-se também os restantes ossos
descobertos, pelas suas características e nada se dizer em contrário.
b- se pertenciam a um
ou mais indivíduos
No caso presente, o comprimento dos ossos seria a característica
mais interessante para responder a esta questão. Em particular o úmero e o
fémur, sendo ossos longos, seriam os mais adequados para o efeito. Há maneiras
apropriadas de medir um osso, mas o texto refere-se ao comprimento sem
especificar como foi medido. No entanto, as diferenças não seriam muito
grandes, aceitando-se que um úmero acabado medindo 271 mm possa pertencer a
indivíduo adulto, macho ou fêmea, com cerca de 1,50m, um pouco mais no homem e
um pouco menos na mulher, enquanto que um fémur com 530 mm se aceita pertencer a
um adulto macho com cerca de 1,90m. Assim, podemos admitir que o fémur e o
úmero descobertos teriam pertencido a indivíduos diferentes, dado que os seus
comprimento não são compatíveis num mesmo indivíduo.
Quanto aos ossos da mão, eles eram incipientes e alguns
ausentes, o que mostra não estarem acabados ou terem-se degradado muito mais
rapidamente, apesar do pH do solo favorecer a conservação, indicando tratar-se
de uma mão infantil, de pouca idade.
Assim, os ossos descobertos teriam pertencido a, pelo menos,
3 indivíduos diferentes, sendo dois adultos e um criança.
c- qual o género e a
estatura aproximada
Há várias diferenças que permitem distinguir entre os ossos
de um homem e os de uma mulher. No caso presente, seria na caveira que essas
diferenças poderiam ser encontradas. Assim, tendo em conta que a caveira
apresentava uma protuberância externa bem marcada no occipital, maxilar em
ângulo recto e queixo um pouco avançado, que são características do género
masculino caucasiano, poderá admitir-se que terá pertencido a um homem, o que
vem ao encontro daquilo que poderíamos induzir a partir do comprimento do fémur
descoberto. Por isso, pode admitir-se que naquela tumba estaria sepultado um
homem com cerca de 1,90 de altura. Poder-se-ia aceitar como plausível que o
úmero fosse da mulher com cerca de 1,50m. Desconhece-se o género da criança,
mas como estavam todos na mesma tumba, não fica excluído que os ossos tivessem pertencido
a um casal - ele um latagão e ela uma fraca figura - e ao seu filho, que bem
poderiam ser o lenhador e a sua família.
d- a idade aproximada
no momento da morte
Nestas circunstâncias, outra questão que importa estabelecer
é a idade dos indivíduos no momento da morte. Não há métodos precisos para o
efeito, mas há aproximações que podem ser muito úteis para a investigação. Os
dentes são uma fonte importante de informação, mas no texto em apreço eles não
foram referidos e, por isso, não poderiam ser considerados na resolução deste
caso.
O estado de desenvolvimento dos ossos e do fecho das suturas
do crânio, bem como o estado de degradação dos ossos e articulações podem ser
úteis em certas situações. No caso presente, apenas os ossos da mão e a caveira
poderiam fornecer informação útil, na perspectiva de estabelecer-se uma idade
aproximada no momento da morte.
Já vimos que os ossos da mão apontavam para um estádio ainda
infantil. Quanto à caveira, podíamos procurar informação na extensão do fecho
das suturas cranianas, pois este fecho é um processo que se inicia e conclui em
idades relativamente bem estabelecidas para a maior parte dos indivíduos. No
entanto, nem todas as suturas fecham completamente ao mesmo tempo, numa
determinada idade, em todos os indivíduos. Segundo o texto, as suturas sagital,
coronal e lambdóide já estavam fechadas e a que ligava o mastóide ao parietal estava
quase. Das suturas indicadas, é habitual que a lambdóide e a perietomastóide
sejam as mais tardias a fechar. A primeira, fecha por volta dos 42 anos e, a
segunda, cerca dos 51. Assim, com esta informação, poder-se-ia estimar uma
idade aproximada para o homem entre os 42-51 anos.
A relação entre o desenvolvimento dos ossos da mão e a idade
de uma criança, também está relativamente bem determinada, na medida em que
esses ossos, não estando acabados, se vão desenvolvendo e completando à medida
que a criança vai crescendo. No pós-morte, os ossos em geral vão-se degradando
com o tempo, tanto mais rapidamente quanto menor for a sua idade em vida,
embora factores ambientais, como o pH do solo em que estão sepultados, possam
favorecer ou dificultar essa degradação.
No caso presente, apenas sabemos que o valor do pH favorecia a
conservação. Assim, tomando em conjunto o facto de faltarem alguns ossos e
existirem grandes espaços entre os ossos em cada dedo, podia considerar-se com
alguma probabilidade que se trataria da mão de uma criança de pouca idade. Quanto
à mulher, não seria possível estimar a sua idade, por o úmero não nos fornecer
informação que pudesse ser usada nesse sentido.
e- o tempo decorrido
entre o momento da morte e o da descoberta
Igualmente importante seria estabelecer-se o tempo decorrido
desde a morte até ao momento da descoberta dos ossos. Para este fim, poderia
recorrer-se directamente à análise dos ossos ou a métodos indirectos,
analisando outros materiais que eventualmente os acompanhassem, como tecidos,
objectos e outros. Seja qual for a abordagem, não existem métodos perfeitos
para o conseguir. No caso presente, já vimos que a moeda não ajudava à datação
e que se recorreu à análise de amostras dos ossos. Segundo o texto, estas
análises indicaram que a morte dos três indivíduos teria ocorrido há cerca de 100-120
anos. Ora, tendo em conta que a descoberta dos ossos teve lugar em 1968, uns
dias após o início do governo de Marcelo Caetano, ter-se-á de concluir que
aquelas mortes teriam ocorrido entre 1848 e 1868.
f- a natureza de alguma
lesão e a causa da morte
Por vezes, os ossos apresentam marcas que podem ser
importantes para ajudar à identificação dos indivíduos ou mesmo para apuramento
da causa da sua morte. No caso presente, o texto é praticamente omisso a este
respeito, referindo apenas que o fémur apresentava sinal de calcificação de uma
extensa fractura. Esta particularidade
pode ser relevante tendo em vista a identificação do indivíduo a que pertenceu,
mas não para nos leva a uma possível explicação para a causa da sua morte nem dos
que o acompanharam na tumba.
g-mais algumas pistas
sobre as identidades
O 1º governo do Marquês de Loulé decorreu de 1856 a 1859, no
período em que as mortes terão tido lugar e o lenhador e a família
desapareceram, tendo a sua cabana ficado reduzida a carvão, ou seja, entre 1848
e 1868. Por isso, este seria um factor a favor da ideia de que os ossos
descobertos poderiam ter pertencido ao lenhador e à sua família.
Vimos que a caveira permitia estimar uma idade do indivíduo à
volta de 42 a 51 anos em vida. Segundo a história, em 1832, o lenhador teria 25
anos, logo, em 1856-1859, teria uma idade entre os 49 e 52 anos, o que seria um
intervalo de idades compatível com o atribuído à caveira e constitui um dado a
favor da possibilidade de esta ter pertencido ao lenhador.
Quando o lenhador voltou à Castanheira, coxeava. Ora,
tendo em conta que o fémur,
pelo seu comprimento, apontava para um indivíduo com cerca de 1,90m, e que a extensa
fractura calcificada que apresentava em morto, em vida, deveria provocar
dificuldade no andar, temos aqui dois factores a favor da possibilidade destes
ossos terem pertencido ao lenhador - um latagão coxo.
Finalmente, vimos que o úmero seria demasiado pequeno para
pertencer ao homem e demasiado grande para pertencer à criança. Estando este
osso também na mesma tumba e igualmente no mesmo estrato dos descobertos,
parece razoável considerar-se que a morte do seu proprietário também teria
ocorrido na mesma altura que as outras e também teria alguma proximidade com os
restantes indivíduos. Ora, como a história nos diz que a esposa do lenhador
seria uma fraca figura, e o comprimento do úmero aponta para uma pessoa com cerca
de 1,50m, parece razoável admitir que este osso lhe teria pertencido.
Vimos, ainda, que a mão era de uma criança pequena. Estando,
também, estes ossos na mesma tumba e sensivelmente no mesmo estrato que os
ossos dos adultos, parece razoável considerar-se que a sua morte terá ocorrido
na mesma altura (a datação é aproximada) e, também, teria com os restantes alguma
proximidade. Ora, tendo em conta que toda a família do lenhador desapareceu na
mesma altura e que dela fazia parte um filho de 3 anos, parece razoável
pensar-se que a referida mão teria pertencido ao filho do lenhador.
Nos ossos descobertos, não foram encontrados sinais que
pudessem dar uma ideia de qual o meio utilizado para causar a morte. No
entanto, face às circunstâncias, conjugando os resultados e as datas com os
pormenores da história que chegou aos nossos dias, mais o facto de todos
estarem sepultados numa mesma tumba pouco profunda, e o achado ter tido lugar
na proximidade do local onde moravam e foram vistos pela última vez, torna plausível que a sua morte não tivesse sido um
acontecimento natural e que os restos encontrados tivessem efectivamente
resultado de um fim súbito e trágico do lenhador e da sua família, quem sabe se
devido às ideias que defendia.
Assim, em resumo, poderemos dizer que, face às
características apresentadas pelos ossos e os resultados da sua análise,
conjugados com os resultados da análise das datas, dos factos históricos e da história
que chegou até aos nossos dias, fica demonstrado ser plausível que os ossos
descobertos pela malta campista tivessem pertencido efectivamente ao lenhador e
à sua família.
Convenhamos que a investigação foi muito incompleta e
conduzida por curiosos. Certamente que uma escavação mais ampla e mais bem
orientada poderiam ter dado uma ajuda mais preciosa e permitido um melhor
esclarecimento do caso, mas a ficção não foi por aí.
Júlio Penatra & Gá
Castanheira do Ribatejo, aos 13 de Junho de 2013
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